Estive pensando nos esteriótipos que a sociedade criou para as mulheres. É óbvio que poderia passar horas fazendo uma lista de comportamentos bem específicos que exigem de nós no trabalho, em casa, na cama, enquanto mãe, irmã, esposa, namorada. Além dos padrões de beleza que nos impõem todos os dias, a juventude eterna que nos é cobrada e outras infinitas variedades que fazem do "ser mulher" algo tão complexo e muitas vezes sofrido.
Porém, hoje eu pensava especialmente sobre dois esteriótipos bem gerais: o que criaram para nós desde o começo dos tempos, o de sermos o SEXO FRÁGIL, em oposição ao que nós mesmas acabamos criando para nós, possivelmente para combater esse outro, o de sermos SUPER-HEROÍNAS.
O de sexo frágil sempre incomodou a maioria de nós, porque foi - ou é - usado pelos homens para exercer machismo sobre nós. A ideia de que precisamos de um homem para sermos felizes implica uma fragilidade, onde a mulher é emocionalmente e financeiramente dependente do sexo masculino. Ainda hoje, embora em uma escala bem menor, podemos encontrar mulheres que passam a vida procurando um marido, como se a única fonte de felicidade de sua vida fosse o casamento ou que um marido seria a garantia de uma vida próspera e feliz. Muitas famílias ainda endossam essa ideia estapafúrdia e se preocupam mais se a filha está encalhada do que com sua formação acadêmica ou saúde; e de repente encontramos várias mulheres infelizes, não-realizadas, presas a relações abusivas ou sem a menor condição de se impor por ser de alguma forma dependente de alguém do sexo masculino (normalmente o marido, às vezes o pai). Dito tudo isso, acredito que esse esteriótipo esteja caminhando para uma extinção - se tudo der certo! -, pois hoje muito se fala sobre independência feminina e quase todas nós já entendemos que independência é liberdade. Independente da mulher se considerar feminista ou não, quase nenhuma quer depender de alguém.
Para ser sincera, o esteriótipo de super-heroína anda me preocupando mais. Não me levem a mal, somos de fato heroínas. Não tem como não ser, diante de tudo o que passamos diariamente. Mas eu começo a enxergar várias consequências desse "apelido carinhoso" para as mulheres. Crescemos ouvindo, todo dia 08/03 em especial, que as mulheres são guerreiras, fortes, batalhadoras. Que aguentamos tudo, coisas que os homens nunca aguentariam. Vocês conseguem ver o perigo que isso representa na sociedade atual?
Não há espaço para a mulher ser quem ela é no momento em que ela quiser ou puder ser. Ou ela tem que ser uma flor delicada frágil ou ela tem que ser sempre a foda que tudo suporta.
Olhe para sua mãe. Qual a primeira palavra que você usaria para defini-la? Eu usaria FORTE. E aposto que muitos de vocês também.
Nossas avós foram da geração do sexo frágil. Casavam cedo, casamentos arranjados muitas vezes. A maioria não tinha emprego para ficar em casa cuidando dos filhos, o que as tornavam escravas de seus relacionamentos, aprisionadas a seu provedor, porque não teriam para onde ir ou o que comer, caso resolvessem se separar. Dessa forma, elas se submetiam a qualquer coisa.
As nossas mães vieram para abrir a caixa das heroínas. Jornada tripla de trabalho: trabalhando fora, cuidando da casa e dos filhos, estudando para conseguir algo melhor. Várias mães solteiras. Muitas começaram do nada e hoje tem uma condição confortável por conta dessa loucura de até se anular para conseguir o mínimo para sua família. Ela se superou, ela é uma guerreira. Admiram sua força.
Já pensou em quanto ela já sofreu calada por não querer que ninguém soubesse que ela também era fraca às vezes? Que ela queria ajuda, que tinha vontade de desistir? Nunca vimos as lágrimas que as nossas mães choraram escondidas. Quantas vezes perguntamos "O que foi?" e ela respondia "Nada não"? O fato é que elas precisavam passar a imagem de "sou forte o tempo todo, eu aguento qualquer coisa". Não seria essa uma outra forma de prisão?
E nossa geração também vem repetindo isso, de querer suportar tudo, porque as pessoas acreditam que nós somos guerreiras o tempo todo. Se alguma coisa da minha vida sair um pouco do padrão, então já começam a dizer que eu não estou bem. Não tem nada de errado comigo! Eu apenas sou um ser humano. Que tem momentos fortes e frágeis. Que gosta de ser vista como inspiração de força sim, mas que também precisa de ajuda e de uma palavra de carinho. Que tem vontade de jogar tudo para o alto, que comete erros e acertos. Que um dia é a determinação em pessoa e no outro dia não consegue levantar um dedo para nada. Simplesmente humana. Nenhuma guerreira invencível de Games of Thrones.
Me preocupa que desde pequena as meninas aguentem tudo. Que sofram caladas, que seja ensinado a elas que "se acostumam, vida de mulher é difícil mesmo"; que a sociedade diga que elas vão necessariamente amadurecer mais rápido que os meninos, porque é assim mesmo. ISSO NÃO É BIOLÓGICO. O amadurecimento das meninas vem antes porque isso é exigido delas desde cedo. Meninas tem que se comportar, fechar as pernas, falar baixo, ter a letra bonita, o material bem-cuidado, o caderno caprichado, as notas boas. Em que escala isso também é cobrado dos meninos? Em uma muito menor. Gente, acreditem: NADA É POR ACASO.
Quero que minhas alunas e minha sobrinha saibam que elas são fortes, sim, mas que elas não tem que aguentar tudo. Que elas podem pedir ajuda e que às vezes serão frágeis e que não tem nada de errado com isso. Que o ser humano é complexo e a vida não é mole e que não tem problema de vez em quando você se sentir uma merda. Isso não define quem você é e nem tira o seu valor.
Esse post é uma reflexão sobre em que nível estamos nos permitindo, enquanto mulheres, sermos um pouco de tudo o que todo ser humano é. A gente não tem que aguentar tudo nem ficar o tempo todo preocupada com a imagem que estamos passando. E nem depender de ninguém, para estar pronta para cair fora quando e se for necessário.
Nem sempre 8, nem sempre 80, mas todos os números do meio também. Você não é só frágil nem só forte. Você só é uma pessoa. Olha que loucura?!
sábado, 26 de outubro de 2019
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