quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Você me chamou de quê?!

Toda terça e quinta eu e a Pri, minha personal, fazemos nosso treino em uma quadra de esportes pública aqui em Brasília. Hoje quando eu cheguei, tinha uns meninos adolescentes jogando bola e andando de skate. Tava meio confuso o que eles realmente estavam fazendo ali. Eram uns cinco ou seis. Eu fiquei esperando a Pri embaixo do bloco e quando ela chegou, eles já nem estavam mais jogando bola, estavam mais zanzando, conversando e tinha um fazendo umas manobras de skate.

Como eles não estavam jogando, a Pri pegou nosso cantinho de sempre e começou a montar as coisas do treino. Ela disse que ia falar com eles, mas que assim que ela colocou a sacola no chão, eles começaram a chutar a bola em direção ao local que ela estava, só para intimidá-la. Ela resolveu então não falar nada e só montar as coisas, porque afinal de contas, viu que eles não mereciam esse respeito.

Eu estava fazendo um exercício no chão quando comecei a ouvir a conversa deles:

- A mina é mó vagabunda, cara! Só porque ela não gostou do meu desenho no jogo, me denunciou! A mina nem me conhece, ela é uma arrombada

Eu juro que depois de ouvir isso, eu desconcentrei no exercício. Fiquei com vontade de levantar e ir lá falar umas boas verdades para eles (tô meio arrependida de não ter ido, na verdade!), mas decidi escrever esse post. Principalmente depois que a Pri complementou a conversa deles contando uma história que tinha acontecido na academia pouco tempo antes de me encontrar.

Ela me contou que a TV estava ligada em um programa de esportes, especificamente falando de futebol e havia uma mulher apresentando e comentando. Três professores se reuniram na frente da TV enquanto chamavam a mulher de vagabunda, dizendo que ela não tinha nada que estar apresentando aquele programa. Ela disse que um fez o comentário e os outros deram risada, embora não tivessem, de fato, falado alguma coisa.

E aí ouvindo duas histórias tão parecidas em sequência, eu venho aqui perguntar aos homens: POR QUE TODOS OS XINGAMENTOS QUE VOCÊS DIRECIONAM A UMA MULHER TEM CUNHO SEXUAL? 

Vagabunda
Piranha
Arrombada
Vadia
Puta
Rodada

É impressionante que mesmo quando a história não tem nada a ver com sexo, a gente acaba sendo encaixada nessa categoria de xingamentos ridículos. A verdade é que vocês nos objetificam em qualquer situação e poderiam nos xingar de qualquer outra coisa, mas sempre escolhem ofender com um xingamento sexual.

O menino que não gostou da atitude da menina poderia tê-la descrito como idiota, imbecil, babaca e tantos outros nomes, mas escolheu apelar para palavras de cunho sexual que não tinham nada a ver com o contexto.

Os caras da academia poderiam criticar a apresentadora (não vou nem focar no machismo que sempre rola com as mulheres no esporte, especialmente no futebol) de tantas outras formas! Poderiam dizer que ela é incompetente, que não gostaram dos comentários dela, que não concordam... mas sempre acabam escolhendo esse tipo de palavra. E sabe qual é a cereja no topo? Os outros que não falaram nada. Riram e foram coniventes com o machismo, mesmo que não concordassem. E se você não concorda com uma atitude de um brother seu, mas ri ou fica quieto quando ele faz, você é conivente e está tão errado quanto ele.

Não pude deixar de lembrar mais uma vez das ofensas horríveis sofridas pela presidenta Dilma, que sempre que fazia algo considerado errado ou incompetente era chamada desses mesmos nomes supracitados. Se um presidente homem faz as mesmas coisas (ou até piores, como podemos ver nesse neandertal que vocês elegeram para presidente do Brasil!), jamais vai ser atacado pelas vias sexuais. Embora a gasolina esteja o dobro do valor da época da Dilma, você não vai ver adesivos por aí com gasolina saindo do cu do Bolsonaro. E já sabe o por quê.

Uma vez eu expulsei um aluno (de 12 anos) de sala porque ele xingou uma colega da piranha, numa "brincadeira". É é assim que a gente combate esse tipo de comportamento machista, desde jovem cortando pela raiz essas escolhas vocabulares tão normalizadas e disseminadas.

A Pri contou que uma aluna ouviu o comentário dos professores da academia e na hora se levantou e foi defender a moça da TV. E assim a gente também mostra que não vamos aceitar mais essas ofensas escrotas e sem noção de braços cruzados e que a cada dia mais incorporamos o sentido da sororidade às nossas vidas.

Chegou a hora (aliás, passou da hora!) de vocês começarem a filtrar esse tipo de vocabulário da vida de vocês. Essas escolhas não são aleatórias; são reflexo de uma sociedade que nos coloca unicamente no papel de objetos sexuais e o único jeito de nos criticar é "ofendendo nossa honra". As mulheres são seres humanos que vivem fazendo cagada também, mas seja mais coerente na hora de criticar ou até mesmo de xingar. Pare de ser um macho tóxico que precisa falar da nossa "vida sexual" para nos ofender. 

Grow up.












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